domingo, 12 de maio de 2013

Rubem Alves - Sobre o Tempo


"O tempo se mede com batidas. Pode ser medido com as batidas de um relógio ou pode ser medido com
as batidas do coração. Os gregos, mais sensíveis do que nós, tinham duas palavras diferentes para indicar
esses dois tempos. Ao tempo que se mede com as batidas do relógio - embora eles não tivessem relógios
como os nossos - eles davam o nome de chronos. Daí a palavra "cronômetro".
O pêndulo do relógio oscila numa absoluta indiferença à vida. Com suas batidas vai dividindo o
tempo em pedaços iguais: horas, minutos, segundos. A cada quarto de hora soa o mesmo carrilhão, indiferente à vida e à morte, ao riso e ao choro. Agora os cronômetros partem o tempo em fatias ainda menores, que o corpo é incapaz de perceber. Centésimos de segundo: que posso sentir num centésimo de segundo?
Que posso viver num centésimo de segundo? Diz Ricardo Reis, no seu poema "Mestre, são plácidas" (que
todo dia rezo): "Não há tristezas nem alegrias na nossa vida". Estranho que ele diga isso. Mas diz certo: o
tempo do relógio é indiferente às tristezas e alegrias.
Há, entretanto, o tempo que se mede com as batidas do coração. Ao coração falta a precisão dos
cronômetros. Suas batidas dançam ao ritmo da vida - e da morte. Por vezes tranqüilo, de repente se agita,
tocado pelo medo ou pelo amor. Dá saltos. Tropeça.Trina. Retoma à rotina. A esse tempo de vida os gregos davam o nome de kairós - para o qual não temos correspondente: nossa civilização tem palavras para dizer o tempo dos relógios: a ciência. Mas perdeu as palavras para dizer o tempo do coração.
Chronos é um tempo sem surpresas: a próxima música do carrilhão do relógio de parede acontecerá no
exato segundo previsto. Kairós, ao contrário, vive de surpresas. Nunca se sabe quando sua música vai soar." (Rubem Alves)

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