segunda-feira, 28 de maio de 2012

A Jura



Certa vez fitou diferentemente... e pensou que... talvez pudesse ser... sim, talvez fosse legal...

Mesmo com tantas lacunas talvez fosse a hora de ouvir o que todos diziam: "Você exige demais... Qualquer coisinha é motivo pra abandonar... Na vida não é assim! Você vai ser infeliz assim!"

E lembrou-se das últimas palavras de fim de festa, com os pés sujos, hálito de cerveja e cabelo cheirando a cigarro:

- Vê se não perde essa chance!

- Vejo... vejo sim... boa noite!

Enquanto observava as árvores correndo pra trás à direita, à esquerda olhava e visualizava um futuro incerto dentro  daquilo que ela costumava chamar de "tão certinho".

E simplesmente foi... Fez aquilo que chamamos de "dar-se a chance".

Compartilhou seu momento sagrado: o Por do Sol.

Não poderia haver neste planeta espetáculo mais lindo! Ou pelo menos nesta cidade!

E ali, onde todos os seus admiradores louvavam, cada um a sua maneira, fosse com música, beberagem, meditação, ou fosse como fosse, ali as diferenças inexistiam... Do rapaz de gravata à garota com penas nos cabelos azuis, todos estavam ali para ver o declínio do sol...

E vinha ele majestoso em meio ao silêncio entrecortado por eventuais acordes e risadas... vinha lentamente e quanto mais se aproximava do horizonte, mais embasbacadas ficavam as pessoas... Um misto de emoção e admiração conjuntas...

E quando ele finalmente tocou o horizonte, num primeiro momento fez-se o silêncio, que gradativamente era dominado por aplausos... aplausos que iam crescendo como uma onda... E ao embarcar naquela onda de repente seu momento de êxtase foi interrompido por outro acorde... Algo como “Ãhn?!”

- Eles estão aplaudindo? Aplaudindo o por do sol?

Escondeu nos bolsos as mãos vermelhas das tantas batidas de palmas... E diante dele, por alguns instantes envergonhou-se de algo que sim, para ela fazia sentido... Ela sempre aplaudia o por do sol... Não se importava em aplaudir partidas de futebol, mas o sol e a música, aplaudia até sentir a palma da mão esquentar, aplaudia com a força que pulsava seu coração... sentia o sangue ferver!!!

Diante de tamanho desdém, engoliu a seco, sorriu amarelo e concordou, discordando de si:

- É... bobagem... vamos embora!

Olhou de soslaio para o que restava do poente quase que se despedindo e embora não acreditasse em Jesus, lembrou-se de uma frase da bíblia, algo do tipo “me negarás por três vezes” e pensou “A vida imita a arte”

“Talvez não tenha sensibilidade o suficiente para estar comigo” – Pensou e logo abstraiu.

E virou mestre na arte de abstrai-se e negar-se... e ignorou incontáveis poentes...

Voltou lá em segredo algumas vezes e parecia já não fazer sentido... Já não sentia a pele tremer ao ver o primeiro raio tocar o horizonte... Chorou...

“Em que momento abandonei minha sensibilidade? Em que momento eu me mutilei?”

Mas então renasceu.... E renascer também dói! E sentiu muitos gostos, cheiros e dores distintas até que pudesse voltar a encarar o sol...

Naquele mesmo lugar, mas desta fez sozinha numa quarta-feira qualquer... com poucos aplausos e poucos acordes e poucos sorrisos...

E ele veio tímido como que se reconciliando e dizendo “seja bem vinda de volta!”

Chorou... sentiu que estava resgatando o seu melhor, que pouco a pouco jogara fora pra viver uma vida que não era sua...

E jurou “Jamais me envolverei com alguém que não tenha sensibilidade pra apreciar o por do sol...”


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